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O Balançar da Cortina

  • Letícia Santini
  • 13 de dez. de 2016
  • 3 min de leitura

Há tempos encaro essa folha em branco.


É que os tempos mudaram, sabe? E não que isso seja ruim, porque não é não. As vezes só é mais difícil escrever dentro do meu quarto quando já me esgotaram as inspirações. No começo foi divertido, fiz até metáfora com o balanço da cortina. Certo dia, de humor bom, aproximei-o das andanças que a vida dá, e do quanto isso nos transforma. Outro dia, de humor não tão bom assim, essas andanças já eram rápidas demais. Eu preciso de tempo para pensar.


Tempo.


Estou aqui há tempos e nada poético me vem na cabeça. Logo eu que nasci com as palavras não na ponta da língua, mas dos dedos. É jornalista? Deve escrever bem! Que diabos pensam que jornalista também não lhe esgota as inspirações. Não é todo dia que a gente tá inspirado. Hoje, mesmo, procurei entre as conversas alheias algo para ‘’criativizar’’. Do quarto, para a cozinha, copo d’água na mão e a única conversa que escuto é aquela comigo mesma. É que eu mudei, faz um ano, para uma cidade grande que me faz sentir solitária mesmo quando estou tentando respirar entre os cabelos que me vêm a cara e os pisões no pé, dentro do metrô. Sintomas paulistanos..., mas isso não vem ao caso!


De volta ao quarto, um lampejo me veio à mente. Durou menos de 10 segundos. Possível queda do copo, me apoio no criado-mudo, derrubo um de meus livros preferidos. É isso. Em mais 20 segundos, sinto-me nostálgica dos primeiros semestres da faculdade, quando o jornalismo literário me foi apresentado. De lá pra cá, tanta coisa aconteceu. Mas Fama e Anonimato continua sendo o meu livro de cabeceira. Como não percebi antes? Simples. Viverei um dia de Gay Talese.


Em meio a uma súbita empolgação, faço um rabo de cavalo desastroso e enquanto fecho a porta do meu apartamento com uma mão, coloco o casaco com a outra. Conselho de mãe. São Paulo nunca se sabe, o clima é doido! Saio. Sem rumo, nem direção. Eu costumo ir todos os dias para a direita, que é o caminho da estação Ana Rosa. Me sentindo no século passado, quando sujar os sapatos era divertido para o repórter, fui pela esquerda. Hoje, com mais calma, dou bom dia para os vizinhos, como naquela música do Zeca Baleiro. Só não me atrevi a beijar o português da padaria, quem sabe outro dia. E pela primeira vez em um ano, eu saio sem rumo e sem medo de me perder. Flanando. A procura dos sentidos da rua, que, posteriormente, se transformariam na melhor de minhas reportagens.


Em um pouco mais de uma hora, presenciei uma injustiça. Num ponto qualquer, subi no ônibus. A cobradora não queria dar troco maior do que vinte reais, e deu-se início a um leve ‘’bafafá’’. O motorista não parou no ponto certo e, como em coro, todos ouvimos ‘’vai descer’’. Então eu vi um comício, nessa época de eleição tem um a cada esquina. Desço.


- O que você está fazendo aqui?


- Ouvindo as propostas do candidato.


- Acredita que são verdadeiras?


- Do mesmo modo que eu gosto de política.


Moço irônico. Deixou a dúvida no ar, logo para mim, que agora inventei de dar uma de Sherlock Holmes? Bom, não perco muito tempo, esses comícios são todos iguais. E então, duas quadras a frente, o meu rumo mudou. Tome o leitor como obra do destino ou não, costumo acreditar que aquela foi a minha hora da estrela.


Agora, de volta a minha cama, com o notebook no colo, a folha em branco se transformou em 20 mil toques de reportagem. Tudo porque eu decidi sair por aí no modo ligado às antigas. E achei, na poeira e na lama das calçadas cinzentas, a melhor notícia. Tá curioso o leitor, querendo saber o que aconteceu. Mas já ouviu falar que um bom mágico não revela seu truque? Pois bem, amigo, terá de ler a notícia quando ela sair na revista daqui a 2 dias. Enquanto esse bendito tempo não passa, fico aqui, tentando fazer metáfora com o balançar da cortina.

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