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Pauliceia Desvairada

  • Letícia Santini
  • 15 de set. de 2016
  • 3 min de leitura

Quando cheguei, de longe, não entendi seu ritmo, seu barulho atípico e o porquê de as estações paulista e consolação se inverterem quanto a localização. O prédio da Fiesp, que de prédio para mim não tinha nada, parecia-se como um gigante ralador de queijo pronto para me espetar. E o Masp? Uma infinita incógnita regada a beleza e insegurança, cujo mistério intriga meus amigos arquitetos, ainda me causa arrepios e desconfiança. Confesso, eu sou bem desconfiada.


Desconfiei, a princípio, de que o prédio da Gazeta ficava a exata distância do Trianon-masp e da Brigadeiro. Não pude acreditar em tamanha exatidão geográfica, seria coincidência ou puro acaso? Ao meu ver, economizo uns minutos indo sentido Trianon, apesar de preferir a Brigadeiro por motivos não conhecidos. Convenci-me, ainda, de que São Paulo é – de fato – a terra da garoa e das mudanças climáticas mais imprevisíveis que já vi. De manhã, o cinza do céu combina-se com meu jeito não tão bem-humorado. Mas ao meio dia, o sol escancara-se e deixa no horizonte uma impressão de litoral, como se no final houvesse uma imensidão de água. Puro lampejo de ilusão, a infinidade é de concreto. Como uma selva, só que de pedras e muito asfalto. De tardezinha, a garoa aparece para acalmar os ânimos apressados de quem deseja apenas descansar após mais um longo dia na pauliceia desvairada.


Com o tempo, descobri que de Paulista a avenida só tem o nome. Poderia ser Avenida Baiana, Mineira, Gaúcha, Pernambucana, Mato-grossense, Americana, Argentina ou Portuguesa. Tamanha é sua generosidade e potencial de acolhimento. Acolhe os ternos, as calças jeans, as saias e shorts curtos. De todas as cores, tamanhos, formas, gostos e sotaques. Antes, reduto dos barões de café e dos magníficos casarões. Hoje, prédios exuberantes a perder de vista simulando as curvas de um corpo feminino.


Ando e percebo em seus traços despretensiosamente harmônicos, o porquê de a Paulista continuar a ser o símbolo dos paulistanos. Das antenas aos bares, teatros e finanças. Abaixo, o barulho do metrô que faz ventar os cabelos pelas saídas de ar; a cima, livre de qualquer viaduto. Avenida que a Augusta escolheu cruzar, gerando aquilo que João do Rio chamou de ruas ambíguas, históricas, honestas, nobres, trágicas e guerreiras. Ruas que criam tipos, costumes, hábitos. Ruas que contam histórias e sem dúvidas possuem alma. Ruas que abrigam, em um só espaço, vermelhos e verde/amarelos. A Paulista, que de tanto abrigar histórias e almas, criou um tipo admirador só dela.


Corredor da São Silvestre e templo de vários espetáculos da natureza. A junção de povos me intriga quando a japonesa revendedora do Avon convive lado a lado com o boliviano que vende peças de roupa da 25 de março. Mistura bonita de sensações, que faz da diferença um compasso, uma aquarela. De noite, me transporto a outra realidade. Não é mais Brasil. É quase uma Nova York regada a sons de violino e artistas amadores, que abraçam a avenida ao mesmo tempo em que ela as agasalha. Mistura de rock, samba, pop e hino nacional - que o índio da esquina da Paulista com a Alameda Campinas canta orgulhoso, com a mão apoiada sobre o peito.


Ao voltar para casa, o cheiro de milho verde e vestígios de um cigarro recém apagado ainda permeiam em minha volta, enquanto tudo vai se acalmando, apesar de não ser por completo. No outro dia, tudo volta ao normal bem cedo, mas nunca igual ao dia anterior. Cada dia o desafio é maior, por isso, talvez, seja tão apaixonante. É mágica, ao amparar nossos corações: se não atingir o Paraiso, com certeza terei a Consolação.


Soberana, de passos apressados, ela reina no alto da cidade. De manhã, tom cinza azulado; a noite, quando a insônia é constante, um traje de gala néon. Desço pelas escadas da estação de metrô e me despeço. Essa noite, assim como todas as outras, a graça é toda e única dela.

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