Resenha do livro Chatô, o Rei do Brasil
- Letícia Santini
- 30 de jun. de 2016
- 3 min de leitura
Cidadão Kane tropical

5 de outubro de 1892. Nascia Francisco de Assis Chateaubriand - figura polêmica, controversa, odiada e temida. Conhecido por suas excentricidades, a vida de um dos homens mais influentes do Brasil entre as décadas de 1940 a 1960, é retratada pelo escritor Fernando Morais no livro Chatô: O rei do Brasil. De maneira peculiar, Morais agrega estrategicamente à obra um tom romântico ao iniciar a narrativa a partir de delírios do protagonista em seu leito de morte, remetendo o leitor ao clássico de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Ao apostar em uma linguagem híbrida, aproximada a de um romance, o escritor garante ao livro um de seus maiores méritos. Ao mesmo tempo em que é jornalística, a biografia também é literária – permitindo classificá-la como um belo exemplo de livro-reportagem.
Aos 15 anos, Chateau tornou-se jornalista ao trabalhar nos jornais Gazeta do Norte e Diário de Pernambuco. Foi advogado, professor da Faculdade de Direito de Recife e diretor do maior conglomerado de mídia da América Latina, os Diários Associados, que contavam com 34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18 estações de televisão, agência de notícias, revista semanal (O Cruzeiro), revista mensal (A Cigarra), revistas infantis e a editora O Cruzeiro. Além disso, foi pioneiro na transmissão televisa no Brasil com a criação da TV Tupi na década de 1950, membro da Academia Brasileira de Letras, presidente da Federação Nacional da Imprensa, Senador da Paraíba, Embaixador do Brasil na Inglaterra e cocriador e fundador do Museu de Arte de São Paulo (MASP), juntamente com o jornalista Pietro Maria Bardi. Fica claro, assim, a inegável importância de Chatô e a relação intrínseca entre sua carreira e o quadro de transformações políticas e econômicas no Brasil, retratada de forma extensa por Fernardo Morais.
É equivocada, porém, a crença da construção desse império apenas pelo suor de um trabalho árduo. Ainda que retratado como uma pessoa determinada em seus objetivos, visionária e irreverente, relacionando-o a uma espécie de Cidadão Kane tropical, o livro desconstrói uma ideia heroica do protagonista que possa surgir a partir de uma leitura ingênua do título ‘’O Rei do Brasil’’. Utilizando-se de meios maquiavélicos para alcançar seus interesses e acusado, muitas vezes, de chantagear, ameaçar, manipular e mentir descaradamente para agredir os inimigos, a ética do protagonista, considerada de caráter duvidosa e contraditória, pode ser exemplificada nas próprias palavras de Chatô: ‘’Se a lei é contra mim, vamos ter que mudar a lei.’’
Ainda, episódios como o apoio à revolução de 1930 e a proximidade tumultuada, de apoios e reveses, com o Presidente Getúlio Vargas; a criação de uma lei para obter a custódia da filha; as duas velas que acendia, uma para Deus e outra para o Diabo; e a cobra que enviou de presente a um adversário garantem à narrativa um tom humorístico e cômico, aliviando a longa e cansativa leitura de mais de setecentas páginas.
Aspectos como um levantamento de dados irrefutável, detalhamentos e descrições minuciosos, fazem da obra de Fernando Morais indispensável para políticos, jornalistas e curiosos. Assis Chateaubriand é uma figura de excepcional importância na história brasileira e o livro é um rico aprendizado sobre o funcionamento e a história da política no país, bem como sobre a prática do fazer jornalístico, do desenvolvimento dos valores e das complexidades do sistema comunicacional como um todo - instigando uma reflexão dos limites do jornalismo e enfatizando a interessante relação entre o poder e a mídia.
Comments