Resenha do Livro Fama e Anonimato, de Gay Talese
- Letícia Santini
- 1 de dez. de 2016
- 3 min de leitura
Na lama e na poeira de Gay Talese

'’Não há, no que escreve Gay Talese, nada que não tenha sido pinçado de realidade e exaustivamente checado e conferido antes de baixar ao papel. É jornalismo, mas não o jornalismo usual’’. É assim que Humberto Werneck descreve no posfácio ‘’A arte de sujar os sapatos’’, do livro Fama e Anonimato, a maneira peculiar da escrita de Talese, característica que deu início, posteriormente, ao gênero chamado de New Journalism ou ‘’Jornalismo Literário’’.
O livro, dividido em três partes (Nova Iorque: A jornada de um serendipitoso; A Ponte e Excursão ao interior), comporta, a priori, uma reunião de perfis de pessoas anônimas que vivem na cidade, assim como seus hábitos cotidianos e os lugares que frequentam. Posteriormente, o autor descreve personagens e fatos envolvendo a construção da Ponte Verrazzano-Narrows e, na terceira parte, o maior destaque é dedicado a um perfil alternativo do ator e cantor de pop, jazz e blues, Frank Sinatra.
Numa tentativa de unir a Fama ao Anonimato, Talese transforma os anônimos em protagonistas e os famosos em pessoas comuns, longe dos holofotes. De uma delicada e cuidadosa pesquisa envolvendo quantos quilômetros de fio dental os nova iorquinos usam por ano, o número de piscadas dadas num dia, os milhares de objetos curiosos encontrados por faxineiras nos escritórios, a apresentação de profissões inusitadas, a diminuição do movimento comercial em 15 a 20% nos dias chuvosos e a forma de um mergulhador ganhar a vida recuperando objetos perdidos no fundo da baía “lodosa” de Nova York, entre muitos outros, Talese nos aproxima de detalhes banais do cotidiano e de tudo aquilo que as pessoas desconsideram no retrato nova iorquino usando da mistura da apuração jornalística ao maleável texto narrativo.
Mais do que isso, foca em personagens do dia a dia que não teriam destaque no jornalismo tradicional. É como se ele entrasse na casa das pessoas e nos convidasse a entrar junto dele. Os assuntos, porém, são curtos durando no máximo dois ou três parágrafos. Às vezes, poucas frases ou informações independentes são necessárias para contar uma história. O importante é a sucessão de imagens que o autor constrói, contribuindo para uma interessante construção de um perfil da metrópole.
A impressão do olhar de Talese sob Nova York é de um fascínio muito grande para enquadrar o texto numa narrativa formal ou linear. Ao intercalar histórias, informações e curiosidades, cria-se no consciente do leitor a ideia daquele caos urbano – talvez, por isso, a leitura torne-se um tanto cansativa ou confusa.
Um trabalho jornalístico mais intenso e cuidadoso é encontrado nos dez contos-reportagens que estão presentes na segunda parte do livro, intitulada A ponte. As entrevistas e acompanhamentos com o grupo de homens (boomers) que faziam parte da construção da Verrazano-Narrows, ponte entre Staten Island e o Brooklyn, durou, em média, três anos. Essa inserção na paisagem da cidade é o acontecimento factual que serve de base para que a vida de pessoas comuns – engenheiros, moradores do local e trabalhadores –, seja retratada e revelada aos leitores.
Já a terceira a parte do livro, Excursão ao interior, apresenta o perfil de pessoas notáveis da época em que o autor estava inserido. De Frank Sinatra ao ambiente de trabalho da revista Vogue, Gay Talese consegue unir o público ao privado, assim como retratar personalidades, sentimentos, experiências e vivências com uma veracidade impressionante.
Além da válida experiência literária, o apêndice da edição leva ao que pode ser considerado o mais importante em Fama e Anonimato para atuais e futuros jornalistas. É a sua defesa, muito mais do que argumentada e comprovada nessa obra, que fundamenta sua ideia de que o New Journalism deve ser respeitado por seu caráter de veracidade. Sua posição é de que esse estilo nada mais é do que uma intensificação dos princípios do jornalismo clássico, descrição detalhada dos fatos e das personalidades, fidelidade ao trabalho de campo e precisão, que continuam a ser os parâmetros a serem alcançados. O que mais tem-se a aprender com Gay Talese é que nunca é tarde para sujar os sapatos na lama e na poeira onde se escondem as melhores notícias, assim como o texto jornalístico pode e deve ser muito mais atrativo para o leitor.
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